24 junho 2012

Vicky ou Cristina?




Eu sempre gosto de ter certeza. Gosto de saber exatamente com o que estou lidando. Acho mais seguro, mais fácil e menos estressante. Pelo menos, era assim que eu pensava antes de ver Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen. Duas  americanas de temperamentos bem diferentes viajam para a Espanha por motivos diversos. Vicky pretende complementar os estudos e Cristina está em fase de transição por causa de repetidas decepções profissionais e amorosas.
E vendo Vicky, aquela mulher tão certinha, tão em paz com seus planos e tão convicta do caminho que escolheu pra trilhar, eu quase quase tive a confirmação de que o melhor mesmo é saber bem onde se pisa, ter certeza de tudo que se sente e viver uma vida regrada, sem muitas aventuras.
Sim, comecei me identificando com Vicky. Mais pelo meu desejo de ser como ela do que por ser mesmo como ela. 
Cristina era mais eu. Aventureira, insegura, com dúvidas transbordando em cada pedaço de si. Bonita, solteira e sem saber o que queria da vida. Só sabia o que não queria. Com ela eu me identifiquei assim a contragosto, afinal eu preferia ser Vicky. Eu sentia essa vontade de ter pelo menos alguma certeza na vida.
Quando Cristina se envolve com o gatão espanhol, eu penso: "Ser Cristina é bom!". Mas Allen dá uma reviravolta como quem diz: "Estamos falando de seres humanos e eles não são matemáticos." E Vicky é quem acaba cedendo aos encantos do bonitão. 
Pronto! Agora eu era Vicky. Porque ela se enche de dúvidas, mais do que as típicas de Cristina e vê seu mundo virado do avesso quando todas as suas certezas se esvaem apenas por um único e tórrido encontro de amor. Encontro este cuja responsabilidade ela preferiu por semanas atribuir ao vinho até, finalmente, confessar que havia se apaixonado.
Cristina mantém o caso amoroso e até embarca num relacionamento a três que para ela funciona bem por um tempo. E num repente mais do que bem articulado, Wood Allen mostra que quem mais tem certeza geralmente é quem mais acaba ficando cheio de dúvidas.
A reticência do filme fica por conta da insatisfação crônica de Cristina que se cansa facilmente dos momentos de felicidade que consegue alcançar e pela escolha de Vicky pelo mais seguro abdicando da entrega total de uma paixão que ela considera sem perspectivas em favor de uma vida que pode, cedo ou tarde, se tornar enfadonha.
Se eu concluí alguma coisa? Imagine! Eu lá tenho força pra desfazer tão facilmente os nós que me deixam infeliz?
Sou Cristina querendo ser Vicky. Mas se eu conseguir ser Vicky algum dia, aposto que vou ficar implorando pela chance de ser Cristina sempre que me der vontade. Eu gostaria de poder ser quem eu quisesse, sem precisar dar explicações nem prestar contas.

FICHA TÉCNICA:
Título Original: Vicky Cristina Barcelona.
Origem: Espanha / Estados Unidos, 2008.
Direção: Woody Allen.
Roteiro: Woody Allen.
Produção: Letty Aronson, Stephen Tenenbaum e Gareth Wiley.
Fotografia: Javier Aguirresarobe.
Edição: Alisa Lepselter.

Para Lucas, que eu amo,  me deu o filme de presente e é a Vicky mais misturada com Cristina que conheço.

03 junho 2012

O que sai quando a gente não sabe o que falar...

Eu sempre falei de mim. Mesmo que fizesse de conta que falava de outras pessoas.
Sempre falei do que eu pensava. E mesmo que somente falando do que eu pensava, acreditava que falava do que pensavam os outros. Ou pelo menos do que pensavam muitas outras pessoas. E falava por outros que não tinham o espaço pra falar.
Nunca quis chocar ninguém. Nunca gostei de ser do tipo que causa grande impacto, apesar de acabar causando essa reação. Ser de grande impacto sempre foi da minha natureza quando toda a minha essência implorava pela reação suave. O mais suave possível.
E quando eu conheci o que era suavidade meu mundo inteiro se quebrou. Não, não é que eu não tenha gostado da suavidade. A mim ela pareceu cair como uma luva, mas de fato ela não era pra mim. 
E eu fiquei assim sentindo a suavidade sem de fato poder aproveitá-la. Sabendo só pra mim o que era a suavidade, sem poder senti-la de nas partes do meu ser em que ela se fazia mais urgente.
E questionei  a suavidade. Perguntei se era real, se eu realmente a sentia. Sem nada concluir de fato, tenho aqui amado a suavidade, a gentileza. Sem muita esperança de possui-la, pois tendo conhecido tão de perto o seu contrário tenho minhas razões para olhá-la e não enxergá-la como real.
Eu a enxergo dia após dia sem poder tocá-la. E agradeço, às vezes, ter podido pelo menos vê-la, tendo já sentido na pele como é o seu contrário. E vislumbro como possível aquele dia em que a possuirei de verdade. Sonho com este dia, pra confessar.
Pra confessar mais ainda, eu não preciso possuir a suavidade para saber que ela existe, para amá-la! A mim basta tê-la conhecido de perto e poder olhá-la de vez em quando. Não fosse isso eu não teria vontade de me levantar da cama.
E se um dia alguém disser que ela não existe no mundo, darei a minha risada de bruxa e terei pena. Pena de alguém que não sabe o que é sentir no rosto e na pele essa coisa de ser acariciado pelo vento até em dias de nuvens paradas.
Pena, acima de tudo, dos seres humanos que não sabem o que é ter sentir amor pela vida sem a menor desculpa pra isso. Que me desculpem os normais e os insensíveis, mas eu tenho meus pequenos motivos pra sorrir. E isso já é mais do que muitos terão em suas vidas inteiras.
Eu amo conseguir enxergar o sol, mesmo através de nuvens cinzentas. E amo mais do que tudo que existam pessoas capazes de potencializar essa capacidade de visão tão poderosa! Simplesmente amo!