27 abril 2009

Sobre o avulso...

Era lindo! Cada trecho daquele livro era lindo. Uma arte perfeitamente traduzida em letras que, juntas, formavam as verdades que todo mundo sabe e não consegue externar. Pelo menos, os simples mortais não conseguem.
E foi pensando assim que eu devorei aquele livro. Da literatura infantil, mas com densidade e ritmo alucinantes.
Completamente afetada por aquelas verdades, que me pareceram universais, imutáveis e atemporais (de fato, nenhuma o é), quis contar ao mundo a minha descoberta. Fazer alguém vislumbrar o meu ponto de vista, dividir o meu assombro com aquela capacidade de expressão.
Declamei até para fazer compreender: "(...) E lá vou Zé Grande, um homem que é homem como um cavalo é um cavalo e uma pedra é uma pedra, veloz como o cavalo e duro como a pedra, correndo como o cavalo e arrebentando, quando preciso, como uma pedra(...)"
Em vão. Não só o meu ponto de vista não foi compreendido, como as palavras belíssimas de Haroldo Bruno foram tidas como meras palavras. Indignei-me e cheguei a me revoltar com aquela ignorância.
A revolta só passou quando considerei as palavras em patamar de igualdade com os fatos. Sozinhas, são só "coisas" soltas, avulsas, desprovidas de circunstâncias. As tais circunstâncias que fazem as ações valerem algo e aumentarem (ou diminuírem?) de peso.
Então expliquei que Zé Grande, o personagem de Haroldo Bruno, era moço humilde que partira em longa jornada no rastro de sua amada sequestrada num evento mágico sem grandes pistas. Suas únicas motivações foram a enorme saudade que sentia dela e a certeza de que ela não queria ir embora.
Declamei de novo: "(...) estão hesitando se atravessam ou não a linha dividindo a sombra imprecisa em que vivem e o claro absoluto que se anuncia(...)" Foi suficiente para que, pelo menos, pensassem a respeito desta narrativa que descrevia a dúvida do protagonista e pudessem enxergar ali certa parecença com o próprio cotidiano.
Não era ignorância, felizmente. Não dessa vez. É que fora do contexto o avulso é vão. Tanto por parecer à toa quanto por representar muito mais um espaço a ser ocupado do que algo que ocupa algum lugar no espaço.
Fora do contexto, tudo é nada.


OBS: Trechos de "O misterioso rapto de Flor-do-Sereno" de Haroldo Bruno. Tocante. Recomendo.

2 comentários:

Ronaldo disse...

Oi querida amiga,

tudo em paz?

realmente, gostei muito do texto, nunca ouvi falar em Haroldo Bruno, fiquei com vontade de ler tudo

bjs e boa semana

Du disse...

Jay !
Que post pronfundo !
Bejos
Saudade de você !